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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Farofeiros da praia

Não é de hoje que eu falo do "nosso" Zero Hora.
Eu abro a última página e vou lendo até a primeira, e numa destas, agora no verão, alguns jrnalistas escrevem crônicas.
E hoje foi a vez desta crônica aqui.
Que eu amei, portanto, compartilho.
Pq apesar de ser gaúcha e "estar" gaúcha, me causa estranheza e admiração este comportamento...rsss...
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Estrelas do mar: Minha vida num isopor

A algazarra dos farofeiros é o tema da crônica de hoje
Fabrício Carpinejar carpinejar@terra.com.br

Sou farofeiro. Como um caxiense legítimo.
Gringo é exagerado, passional. Desce a serra ansioso pelo mar. Não há como ser discreto se por acaso nasceu em Flores da Cunha ou São Vendelino ou Bento Gonçalves ou Veranópolis. Esqueça a timidez. Haverá uma mãe centenária puxando o coro e pedindo para não mergulhar no fundo. Haverá manos brigando pela fatia com mais leite condensado da torta.
O que é farofeiro?
Os que moram na areia como mariscos, caranguejos, escorpiões.
Seu medo é desperdiçar as férias, então passará o dia enfurnado entre as ondas e as dunas. Quer tirar o atraso de um ano inteiro em 30 dias.
Simples de encontrar. São amplificadores ao natural. Cada farofeiro é uma caixa de som que atinge até 150 decibéis.
Repare ao lado e verá um bando de gente num estado indefinível entre berro, lamúria e risada. Somos nós.
É uma tribo que tenta ser prática e acaba trabalhando o dobro. Seus integrantes são sacoleiros, carroceiros da maresia. Virão curvados das ruas.
Atolados de bugigangas. Não levam apenas cadeiras e sacolas, mas bicicletas, pranchas e colchonetes. Se tivesse tomada na orla, carregariam ventiladores e geladeira. Têm mais pertences na praia do que na própria casa.
O isopor é seu principal componente, o cofre das riquezas líquidas. O tamanho da caixa de gelo sugere o tempo de permanência, que pode durar de seis a 12 horas. Tanto que existe o zelador do isopor, uma espécie de tesoureiro, figura escolhida por votação, responsável por controlar a saída da bebida.
Ele põe o pé em cima da tampa e não permite que um dos veranistas se beneficie mais do que os outros.
O farofeiro não quer gastar à toa nos quiosques. Por isso, economiza e transplanta sua cozinha para a beira-mar. Enquanto o normal é segurar uma latinha para consumo na hora, ele faz estoque.
Tem uma inclinação grandiloquente. Mede a alegria pelo número de cervejas que tomou.
Jura que é de uma raça mais resistente ao sol. Nunca ficará bronzeado, mas vermelho, rosa, lilás. A verdadeira cor da pele aparecerá de noite, depois de tirar as camadas de bifes à milanesa.
Os farofeiros gaúchos – não confundir com os argentinos, que representam a ala internacional do setor – transformam lanche em piquenique, convertem almoço em ceia. Foram ampliando seus territórios de lonas. De um guarda-sol, cresceram para uma tenda e já estão dispostos a fundar uma feira. Sua ambição não tem freios. É o case de maior sucesso de empreendedorismo litorâneo.
É aquela trupe esquisita e numerosa, que não deixa nenhum banhista ler um livro quieto. De vez em quando, a trupe conversa num dialeto, que pode ser italiano ou apenas língua presa.
É uma tropa que não chega à praia, mas invade. Simboliza a única comunidade hippie que deu certo.
De uma turma modesta, mínima de farofeiros, é possível formar um time de futebol, um time de vôlei e três duplas de bocha. E ainda sobram reservas.
Não é fácil atingir esse nível de despretensão. Requer um marasmo inato, para não sair do lugar e muito menos reclamar da insolação.
Qualquer mudança de ordem terá a cobertura de suas fofocas. Gritam para um aviãozinho ou helicóptero. Se há ameaça de afogamento, juntam-se com rapidez para formar uma multidão aflita, rezando terço e arremessando os braços ao céu.
Pertenço a uma família de farofeiros, confesso, não tenho cura. Estou estragado para o resto da vida.

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